Brasil entra na corrida para desenvolver mandioca com amido ceroso
Foto: Alessandra Vale
Uma nova variedade de mandioca pode transformar o Brasil em produtor de um valioso insumo industrial e agregar muito valor à produção dessa raiz nativa. O amido ceroso, ou waxy, é procurado pela indústria alimentícia, pois é matéria-prima para composição de pratos congelados e outros produtos. O desenvolvimento de uma mandioca cerosa, que se encontra em andamento na Embrapa, coloca o País na vanguarda da corrida mundial para desenvolver uma mandioca waxy que possa ser produzida em larga escala. Até agora, nenhum país conseguiu desenvolver essa raiz.
O desafio é fazer a própria planta gerar amido diferenciado. Um avanço importante foi obtido pelo Centro Internacional para Agricultura Tropical (Ciat), sediado na Colômbia, que identificou o gene da mandioca responsável pelo amido ceroso. A Embrapa foi a única instituição brasileira que recebeu esse material e agora procura incorporar a produção do amido waxy a uma variedade nacional. Assim, pretende-se aliar a performance do material brasileiro, já adaptado às condições nacionais, à produção natural do amido waxy.
Os custos de produção serão os mesmos da mandioca convencional e, com isso, a produção do amido waxy deve aumentar a renda dos produtores.
Ao trazer naturalmente em sua composição características importantes especialmente para a indústria de alimentos, a novidade deve reduzir custos, uma vez que diminui as etapas de processamento usando o mesmo sistema de produção das variedades já conhecidas. O amido waxy é diferente do amido nativo ou comum (também conhecido por goma ou fécula) e é considerado o produto da mandioca com maior valor agregado por ser utilizado em diversos tipos de indústria.
“Amido diferenciado não significa que é melhor que outros. São produtos diferentes que têm aplicações distintas. Um é mais viscoso, o outro congela melhor, por exemplo, ou seja, aquele que se usa na indústria de papel não é usado na indústria de iogurte”, exemplifica Francisco Laranjeira, chefe-adjunto de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Mandioca e Fruticultura (BA).
Menos amilose é interessante para alimentos congelados
“O amido é composto basicamente por amilose e amilopectina [moléculas de glicose]. Na maioria das variedades, o teor de amilose varia de 17% a 25%, mas a indústria possui grande interesse por materiais diferenciados, sobretudo nos extremos dessa relação,” explica o engenheiro-agrônomo Eder Jorge Oliveira, pesquisador da Embrapa Mandioca e Fruticultura, ressaltando que a waxy apresenta pouca amilose. “Teores mínimos de amilose interessam à indústria alimentícia em função da menor retrogradação do amido, que é a perda de água após o resfriamento do produto pronto.”, esclarece Oliveira que compartilha o trabalho com os pesquisadores Rudiney Ringenberg, Marcelo Romano e Saulo Oliveira.
“Nos nossos trabalhos, não estamos restringindo as populações de melhoramento aos materiais que vieram do Ciat. Testamos outras frentes porque precisamos gerar novos recombinantes, além de encontrar novas variantes deste tipo. A procura pelo gene waxy sempre foi feita na Unidade e a ideia é que o programa seja sempre continuado, considerando os avanços positivos na descoberta de mutações pontuais associadas ao waxy”, afirma Eder.
A corrida mundial pela mandioca waxy
“Estamos nos antecipando, uma vez que ninguém da cadeia produtiva nos pediu esse produto. Considerando que a Tailândia [segundo maior produtor de mandioca do mundo, perdendo apenas para a Nigéria] já está desenvolvendo sua própria variedade waxy, o Brasil não pode ficar para trás, sob o risco de, em algum momento, virar importador de amido waxy de mandioca”, pondera Laranjeira. “Estamos procurando enxergar um futuro em parceria com a cadeia produtiva. A intenção não é chegar com o material pronto, mas encontrar maneiras de trabalhar em conjunto desde o início porque sabemos que as tecnologias são adotadas mais rapidamente quando a cadeia produtiva participa do desenvolvimento tecnológico”.
A missão é significativa pois, além de boa produtividade, a variedade deverá ter resistência a doenças semelhante ou superior às variedades tradicionais, com adaptação a algumas regiões do Centro-Sul e do Nordeste. “Além das avaliações para atributos produtivos, estamos interessados em incorporar no processo seletivo características ligadas à qualidade do amido em termos de cor, propriedade de pasta e padrões de ramificações da amilopectina que podem resultar no desenvolvimento de novos produtos, sobretudo para a indústria alimentícia”, afirma Eder.
A aproximação com o setor no Centro-Sul (Paraná, Mato Grosso do Sul, São Paulo e Santa Catarina), onde está localizada a maior concentração de indústrias de fécula do país, começou em 2008, quando a Embrapa Mandioca e Fruticultura montou um campo avançado de pesquisa com apoio da Embrapa Soja (PR), em que mantém três pesquisadores da Equipe Técnica de Mandioca. Como resultado, duas variedades de mesa e uma para indústria já foram lançadas desde 2015.
Oito indústrias da região manifestaram interesse inicial no projeto da mandioca waxy, que está em fase de negociação. “É um projeto estratégico para a Unidade, pois representa o desenvolvimento de um produto de alto valor agregado e de elevado grau de inovação, a ser viabilizado por uma parceria com o setor privado”, afirma Aldo Vilar Trindade, chefe-adjunto de Transferência de Tecnologia, que tem acompanhado de perto as tratativas.
Mercado promissor para o amido
Segundo levantamento do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Universidade de São Paulo (Cepea/USP), o mercado nacional de amido de mandioca processado em fecularias é expressivo. “A produção brasileira foi, em 2016, de 616.230 toneladas”, informa Lucilio Alves, membro do Cepea e professor da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” da USP (Esalq/USP). De 2013 a 2016, quatro estados do Centro-Sul são os principais na produção nacional. “O Paraná foi responsável por 68,1% da produção brasileira, Mato Grosso do Sul por 23,6%, São Paulo por 8% e Santa Catarina por 0,3%”, destaca Alves.
As perspectivas de uso do amido waxy de mandioca são promissoras, uma vez que ele tem propriedades diferentes do milho waxy, podendo atingir novos nichos de mercado e permitir a criação de produtos com especificidades únicas. O milho waxy, por exemplo, é utilizado pela indústria de alimentos para produzir congelados e resfriados e para fabricar suplementos energéticos direcionados a atletas. “Essa é uma aposta das indústrias, já que o custo de produção da mandioca waxy deverá ser o mesmo das variedades comerciais”, salienta Oliveira.
Melhor que o milho
Suas propriedades físico-químicas têm se destacado em comparação aos amidos waxy de milho e arroz, os principais concorrentes. Sua pasta apresentou-se 50% mais clara e duas vezes mais resistente ao congelamento que a do milho waxy. Também mostrou ser mais solúvel, ter maior absorção de água e perda de água insignificante após refrigeração e congelamento, o que indica capacidade de substituir outros amidos em algumas aplicações industriais.
O uso da fécula tende a crescer, uma vez que os derivados da mandioca têm sido consumidos cada vez mais por pessoas preocupadas com a saúde e a estética. A raiz e seus subprodutos também se tornaram opções de carboidrato para os celíacos – portadores de intolerância aguda ao glúten, proteína alergênica presente no trigo, aveia, centeio, cevada e malte.
O termo waxy é bem conhecido dos praticantes de atividade física, uma vez que o waxy maize (ou amido de milho ceroso) é bastante indicado por nutricionistas para repor a energia depois dos exercícios. A mandioca é uma importante fonte de carboidratos complexos e conta ainda com a vantagem de ter uma quantidade maior de carboidratos em relação a outros alimentos, como batata-doce, inhame, aveia, pão integral e macarrão integral. Ao contrário dos carboidratos simples, o carboidrato complexo é transformado em energia aos poucos, tornando a digestão mais lenta e regulando o nível de glicose estável no sangue.
Parcerias
Segundo Eder Oliveira, estabelecer parceria público-privada é também um grande desafio para a gestão e condução das atividades. “O acompanhamento das metas é feito frequentemente, o que nos exige agilidade na execução e nas tomadas de decisão, além de certa flexibilidade institucional para lidar com a grande expectativa de uso deste amido em escala comercial de forma rápida”, pondera o pesquisador.
Para Osvaldo Zanqueta, presidente da Câmara Setorial da Cadeia Produtiva da Mandioca e Derivados, composta por representantes de 31 órgãos e entidades ligados ao setor, a disponibilidade de uma variedade de mandioca waxy será importante. “Estamos otimistas. De acordo com os químicos consultores da Abam [Associação Brasileira de Produtores de Amido de Mandioca], existe um mercado potencial na região. Os produtores têm interesse e estão curiosos com essa possibilidade”, afirma Zanqueta, que é produtor de mandioca e diretor vice-presidente da Cooperativa Agroindustrial do Noroeste Paranaense (Copagra), que é sediada em Nova Londrina (PR) e agrega 15 municípios da região noroeste do estado. “Temos áreas para testar a nova variedade e a indústria para processar as raízes e fazer os testes de amido. Também assumimos o compromisso de multiplicar as plantas depois”, explica.
Muito da expectativa quanto à nova variedade waxy vem da performance da BRS CS01, variedade industrial tradicional lançada em 2016. “É uma variedade ótima, o futuro da mandioca aqui na região”, atesta Zanqueta, salientando que, além do amido waxy, a variedade precisa ter resistência às principais pragas e doenças presentes nas plantas de mandioca da região. “Podridão-radicular, lagarta-mandarová, cochonilha e besouro-gongo, que é o nome popular do migdolus [Migdolus fryanus], são as mais importantes”.
Sigmar Harpic, diretor da Associação Técnica das Indústrias da Mandioca do Paraná (Atimop), confirma a demanda pela mandioca waxy. “Existe uma boa demanda por amido waxy que atualmente é atendida pelo milho. Nos testes preliminares de uma pequena amostra do amido waxy de mandioca, este se mostrou perfeitamente aplicável na fabricação dos amidos modificados. No entanto, para melhor avaliação se faz necessário um volume maior de amido. Acreditamos também que há um nicho de mercado, de amidos de plantas não transgênicas, que o da mandioca poderá atender bem. É importante salientar ainda que o amido de milho waxy é altamente competitivo em termos de custo de produção, assim é imprescindível que as variedades de mandioca waxy sejam também produtivas. Trata-se de uma evolução tecnológica que estará capacitando o setor a atender em iguais condições de qualidade uma importante fatia do mercado de amidos atualmente suprida pelo setor de milho. Isso trará uma melhora na imagem da mandioca para o mercado, pois estaremos dispondo de uma mercadoria capaz de suprir toda a demanda do setor quanto à tecnologia de aplicação”, pondera.
Etapas da pesquisa
As pesquisas têm utilizado modernas ferramentas de biologia molecular, em especial marcadores de DNA, o que leva a avanços consideráveis nos trabalhos. O lançamento de uma nova variedade abrange etapas minuciosas, como a coleta no banco de germoplasma [coleção com amostras de plantas que visa conservar e preservar a ampla variabilidade genética desses materiais para estudos atuais e futuros], seleção, cruzamentos e diversos tipos de ensaios. Das 16 mil sementes utilizadas, por exemplo, 467 clones [conjunto de descendentes ou fragmentos regenerados de um único indivíduo por reprodução vegetativa] waxy foram obtidos.
A expectativa é que o lançamento ocorra nos próximos cinco anos. “Nossa meta é gerar três variedades, mas não sabemos ainda quantas poderão ser lançadas. Hoje estamos realizando os ensaios preliminares de produção”, pontua Oliveira. “Definir um prazo vai depender muito do esforço de seleção e multiplicação durante o desenvolvimento da variedade. Na proposta do projeto haverá etapas especificas de seleção, mas, em função do aumento da quantidade de material propagativo, também serão adotadas diversas estratégias de multiplicação rápida recém-desenvolvidas pela Unidade para que as novas variedades estejam disponíveis o mais breve possível”, declara. Quando houver o lançamento, estará finalizado também o sistema de produção, com todas as informações técnicas necessárias para que o produtor alcance os melhores índices de produtividade.
Fonte: Embrapa, Léa Cunha